segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Velhos Tempos - Capítulo 6


Cena 1/ Vila Prata/ Casa Juscelino/ Sala de jantar/ Interno/ Noite
(Continuação imediata da última cena do capítulo anterior)
JOCA: Eu não quero e eu não vou ser padre.
JUSCELINO: Você não sabe o que está falando.
JOCA: É claro que eu sei.
JUSCELINO: Não, não sabe. Você está fora de si, é isso.
JOCA: Eu nunca estive tão lúcido em toda a minha vida, padrinho. O senhor vai ter que procurar um padre em outra freguesia.
JUSCELINO: Nada disso. Você me deve isso, está me entendendo? Eu criei vocês desde quando eram crianças. Dei casa, comida, roupa, estudo, agora está na hora de vocês quitarem esses anos de sacrifício que eu vivi.
JOCA: A gente não tem que quitar nada.
JUSCELINO: Tem, e esse pagamento vai acontecer com o Joca se tornando padre.
JOCA: Eu já disse que eu não irei assumir batina porcaria nenhuma. O senhor nunca veio até mim, nunca me consultou, nunca quis saber as minhas vontades, desejos e pretensões. Eu não quero ser padre e o senhor tem que se conformar com isso.
JUSCELINO: Não. Você me deve todos esses anos.
JOCA: O senhor nos criou porque quis. Ninguém aqui pediu. Ninguém aqui lhe obrigou. O senhor colocou esse desejo sob a minha cabeça sem me consultar porque quis. Além do mais, o senhor é padre, é católico, ajudou o próximo, o que não é mais do que a sua obrigação. Com licença.
(Joca levanta-se e sai)
JUSCELINO (para Ariana): Você tem que me ajudar a convencer o seu irmão a assumir a batina.
ARIANA: Eu sinto muito, padrinho, mas eu não vou ficar no meio dessa guerra entre vocês.
(Ariana levanta-se e sai)
JUSCELINO (com as mãos na cabeça): Inferno. Inferno. INFERNO!

Cena 2/ Vila Prata/ Casa Dr. Pessoa/ Sala de estar/ Interno/ Noite
(Continuação imediata da cena 12 do capítulo anterior)
DR. PESSOA: Fique tranqüila, Clarissa. Eu tratarei de convencer a dona Eva a aceitar o tratamento.
CLARISSA: Ah, glória, pelo menos uma coisa boa nesse dia maldito que eu tive. E o senhor pode fazer isso agora?
DR. PESSOA: O assaltante não levou seu carro?
CLARISSA: Por incrível que pareça, não.
DR. PESSOA: Tudo bem, eu posso.
CLARISSA: Que bom, então. Antes, terei que passar na farmácia para comprar os remédios da mamãe.

Cena 3/ Vila Prata/ Casa Chester/ Sala de estar/ Interno/ Noite
(Continuação imediata da cena 10 do capítulo anterior)
DOROTÉIA: As 500 libras irão para quem? Marcílio ou Liduína?
LIDUÍNA (com as mãos em posição de reza, cochichando): Ai, Nossa Senhora das Libras, que o prêmio seja meu.
MARCÍLIO: Só lembrando que eu trouxe dinheiro, ela não.
LIDUÍNA: Cala a boca, garoto insuportável.
ELIZEU: Bom, a competição dizia que o primeiro que arranjasse o emprego ganharia o prêmio. Já que os dois conseguiram trabalho no mesmo dia e não dá para eu saber, em questão cronológica, quem arranjou o emprego primeiro, acho que é mais justo dar o prêmio a quem anunciou a contratação primeiro. Nesse caso, as 500 libras são suas, Liduína.
LIDUÍNA (pulando de felicidade): Ai, Nossa Senhora das Libras ouviu minhas preces. Obrigado, pai.
MARCÍLIO: Mas isso é injusto. Eu trouxe dinheiro, fruto do meu trabalho.
VITORINO: Inclusive, muito estranho você ganhar dinheiro no dia que arranjou o emprego, não acha, Marcílio?
MARCÍLIO: O que você está insinuando, hein, seu merdinha?
DOROTÉIA: Chega os dois. O prêmio é da Liduína. Ponto final nessa história.
ELIZEU: Se você tivesse se preocupado em chegar mais cedo para anunciar o trabalho, talvez tivesse ganhado.
MARCÍLIO: Saco.
(Marcílio sai. Dorotéia vai atrás dele)

Cena 4/ Vila Prata/ Casa Chester/ Quarto Marcílio/ Interno/ Noite
(Marcílio entra. Dorotéia logo atrás)
MARCÍLIO: Meu pai me odeia.
DOROTÉIA: Não é verdade, meu filho.
MARCÍLIO: E é o quê, então? Ele sempre me atazanou pra arranjar algum emprego. Quando eu apareço com um trabalho, e com o dinheiro, fruto desse trabalho, ele não demonstra o mínimo de consideração.
DOROTÉIA: Marcílio, quanto a esse dinheiro, você jura que ele é mesmo fruto desse seu trabalho?
MARCÍLIO: Não acredito que a senhora está desconfiando de mim, mãe. É claro que é. Para sua informação, além de pedir emprego, eu já comecei a trabalhar hoje e o salário é diário.
DOROTÉIA: E qual é esse seu trabalho exatamente?
MARCÍLIO: Capataz do Dr. Plínio Sampaio. Satisfeita? Agora, por favor, me dê licença. Estou exausto.
DOROTÉIA: Claro, meu filho. Ah Marcílio, quanto ao prêmio, não fique chateado porque a Liduína ganhou. Saiba que você é o verdadeiro vencedor pra mim.
(Dorotéia entrega a Marcílio um relógio)
DOROTÉIA: Comprei esse relógio especialmente pra você. É o seu prêmio.
MARCÍLIO: Obrigado, mãe.
(Marcílio abraça Dorotéia)

Cena 5/ Vila Prata/ Casa Chester/ Quarto Elizeu e Dorotéia/ Interno/ Noite
(Elizeu e Dorotéia, em pé, frente a frente)
ELIZEU: Capataz? O Marcílio está trabalhando como capataz?
DOROTÉIA: Exatamente.
ELIZEU: Isso não faz sentido. O Marcílio é a pessoa mais preguiçosa que eu conheço. Ele ter aceitado um emprego de capataz, que é um trabalho duro, pesado, é a coisa mais ilógica do mundo.
DOROTÉIA: Talvez essa sua loucura de competição o pressionou tanto a arrumar um trabalho que ele não teve tempo de parar e pensar se aquele emprego era o melhor pra ele.
ELIZEU: Incrível como essa história não entra na minha cabeça.
DOROTÉIA: E o que isso significa? Que você acha que nosso filho não arranjou emprego nenhum?
ELIZEU: Ele pode até ter arranjado, mas o que eu sei é que aquele dinheiro que ele trouxe pra cá não é fruto de trabalho nenhum.
DOROTÉIA: E se aquele dinheiro não veio do emprego dele, veio da onde? Do espaço? Poupe-me, Elizeu.
(Dorotéia deita na cama)

Cena 6/ Mansão Sabarah/ Quarto Cassandra, Cassilda e Carlota/ Interno/ Noite
(Continuação imediata da cena 13 do capítulo anterior)
CASSANDRA: Você quer que eu conte para a Carlota o porquê de você ter me agredido, Cassilda?
CASSILDA: Não precisa. Eu mesma conto.
CASSANDRA: Então conte. Mas fale a verdade, certo? Mentir é feio.
CARLOTA: Por que você bateu na Cassandra, Cassilda?
CASSILDA: A Cassandra destruiu um pano de crochê que eu estava fazendo e acabei perdendo a cabeça. Foi isso.
CARLOTA: Sério? Nossa, como eu queria ter visto essa cena. Se você precisasse, eu até te ajudaria a dar uns sopapos nessa cara de pau que a Cassandra tem.
CASSANDRA: Nossa, bom saber o quanto eu sou amada por vocês.
CARLOTA: Você queria o quê, Cassandra? Que eu te abraçasse e desse um beijo na sua bochecha depois de você ter me ameaçado? Se enxerga.
(Carlota sai. Cassandra se aproxima de Cassilda)
CASSANDRA: Fez bem em não contar a verdade pra ela.
CASSILDA: Você não me intimida, Cassandra.
CASSANDRA: Será que não? Vamos testar, então. Se você contar pra Carlota que eu também gosto do Joca, eu conto pro papai sobre o relacionamento dos dois. E como você é uma ótima irmã pra caçulinha, você não vai pô-la em risco, não é mesmo?
(Cassandra sai)

Cena 7/ Mansão Sabarah/ Cozinha/ Interno/ Noite
(Carlota bebendo água. Cassandra chega)
CASSANDRA: Você passou o dia inteiro fora de casa. Presumo que estava com o Joca, terminando com ele.
CARLOTA: Presumiu errado.
CASSANDRA: É bom que você faça isso rápido, então. Seu prazo termina amanhã pela manhã.
CARLOTA: Obrigada por me lembrar, querida. Agora, saia da minha frente antes que eu faça com você o mesmo que a Cassilda fez mais cedo.
CASSANDRA: Não gaste suas energias comigo. Reserve-as para amanhã, quando você estiver terminando com o Joca.
(Cassandra sai)

Cena 8/ Mansão Bovary/ Quarto Eva/ Interno/ Noite
(Eva deitada na cama. Dr. Pessoa sentado ao lado dela)
EVA: Estou decidida, Dr. Pessoa. Não farei tratamento nenhum.
DR. PESSOA: Dona Eva, eu compreendo a sua resistência, mas a senhora tem que entender que esse...
EVA: Quem tem que entender as coisas aqui é o senhor, Dr. Pessoa. Eu aprecio muito a sua pessoa, sou eternamente grata pelos seus cuidados, mas eu não quero e não vou pra capital pra passar por esse tratamento. Ponto final.

Cena 9/ Mansão Bovary/ Cozinha/ Interno/ Noite
(Marilda cozinhando. Clarissa se aproxima dela)
CLARISSA: Minha mãe percebeu a minha demora?
MARILDA: Percebeu sim.
CLARISSA: Menos mal. Isso mostra que ela ainda se preocupa comigo.
MARILDA: A senhora é tudo para a dona Eva, dona Clarissa.
CLARISSA: Marilda, eu percebi que você e minha mãe compartilham um segredo. Posso saber que segredo é esse?
(Pausa. Silêncio. Marilda assustada)
MARILDA: Eu não posso revelar nada, dona Clarissa. Se a senhora quiser saber de alguma coisa, vai ter que perguntar para a dona Eva.
CLARISSA: Minha mãe já está bastante debilitada por conta dessa doença. Eu acho melhor você me falar, poupa qualquer irritação que ela venha a ter.
MARILDA: Eu realmente não estou autorizada a comentar sobre isso.
CLARISSA: Olha aqui, Marilda, eu sou a patroa e você é apenas uma mera cozinheira que não tem onde cair morta. Conte agora qual é a essência desse segredo.
MARILDA: Já disse que não posso. Se a senhora é capaz de entender isso, eu sinto muito, mas não posso fazer nada.
CLARISSA: Sua petulante miserável. Entenda bem o que irei lhe dizer. Minha mãe está à beira da morte, ouviu bem? Quando ela se for, seja por causa dessa tuberculose ou não, eu irei assumir todo o patrimônio dela. E quando isso acontecer, você já pode se considerar uma desempregada, porque empregada medíocre comigo não tem vez.
(Dr. Pessoa entra)
DR. PESSOA: Com licença. Dona Clarissa, nós podemos conversar?
CLARISSA: O senhor conseguiu convencer minha mãe?
DR. PESSOA: Infelizmente, não.

Cena 10/ Paisagens de Vila Prata/ Manhã
(Toca Afterlife – Arcade Fire)

Cena 11/ Vila Prata/ Tenda Soraya/ Sala de consulta/ Interno/ Manhã
(A mesa ao centro. Soraya e Liduína frente a frente. Os panfletos em cima da mesa. Soraya os pega e entrega pra Liduína.)
SORAYA: Aqui estão os panfletos. Quero que você entregue todos.
LIDUÍNA: Claro.
SORAYA: Ótimo. Ta esperando o quê, menina? Vai trabalhar.
LIDUÍNA: Muita sacanagem eu trabalhar o dia todo, debaixo do sol quente e não receber nenhum tostão como salário.
SORAYA: Eu te mostrei todas as minhas condições. Você aceitou porque eu quis.
LIDUÍNA: Porque eu estava precisando. Mas se a senhora pensa que não irá me pagar, a senhora está muito enganada, mãe Soraya. Cinco consultas espirituais gratuitas por semana será o meu pagamento. É o mínimo que eu mereço.
SORAYA: Tudo bem, garota. Agora vai entregar esses folhetos, pelo o amor de Nossa Senhora.
LIDUÍNA: E nada de falar pras pessoas que meu trabalho é sem remuneração. Até mais tarde.
(Liduína, com os folhetos em mão, sai)

Cena 12/ Vila Prata/ Comércio Geraldo/ Interno/ Manhã
GERALDO: Finalmente esse comércio será inaugurado.
VITORINO: Amanhã é o grande dia.
GERALDO: Eu não vejo a hora de isso acontecer.
VITORINO: Nem eu.
GERALDO: Vitorino, você poderia convidar a Liduína para a inauguração?
VITORINO: A Liduína? Eu posso fazer o convite, mas não tenho certeza se ela aceitará.
GERALDO: E porque essa possibilidade de ela não aceitar?
VITORINO: Liduína começou a trabalhar hoje com a Soraya. Talvez ela esteja em horário de trabalho quando o comércio inaugurar.
GERALDO: Que pena.
VITORINO: Mas por que esse interesse na minha irmã, Geraldo? Por acaso, você está apaixonado por ela?

Cena 13/ Vila Prata/ Casa Juscelino/ Sala de estar/ Interno/ Manhã
(Ariana sentada em uma cadeira de balanço. Juscelino passa por ela)
JUSCELINO: Onde está o Joca?
ARIANA: No quarto, ainda dormindo.
JUSCELINO: Eu preciso ter uma conversa muito séria com ele a respeito do que ocorreu ontem. Ariana, minha querida, se eu fosse você, convenceria o Joca a aceitar a batina, pois se ele continuar nessa recusa, as coisas não ficarão fáceis para você.
ARIANA: Isso é uma ameaça, padrinho?
JUSCELINO: Não, claro que não. Digamos que isso é um alerta. Se o Joca não for padre, ele não poderá mais desfrutar das coisas que proporcionei a vocês, começando por essa casa. Estou indo para a igreja.
(Juscelino sai. Close em Ariana, preocupada.)

Cena 14/ Mansão Bovary/ Quarto Eva/ Interno/ Manhã
(Eva deitada, coberta por um lençol. Marilda em pé ao lado dela)
EVA: Não acredito que a Clarissa te tratou desse jeito.
MARILDA: E não foi a primeira vez.
EVA: Marilda, isso tem que acabar. E você sabe qual é a solução para isso.
MARILDA: Contar a verdade para a Clarissa?
EVA: Exatamente. Marilda, eu estou morrendo e não quero ir para o caixão com esse segredo comigo, quero morrer sabendo que a Clarissa já está ciente de tudo. E é você que deve contar a verdade para ela?
MARILDA: Eu?
EVA: Sim, Marilda. Se você não contar, eu contarei.

Cena 15/ Mansão Sabarah/ Quarto Cassandra, Carlota e Cassilda/ Interno/ Manhã
(Cassilda sentada em sua cama. Cassandra entra)
CASSANDRA: Onde está a Carlota?
CASSILDA: Saiu.
CASSANDRA: Ótimo. Deve estar terminando com o Joca nesse momento.
CASSILDA: Você se acha muito esperta, não é, Cassandra?
CASSANDRA: Querida, eu não me acho, eu sou esperta.
CASSILDA: Você vai cair do cavalo. Escreve o que estou te dizendo.
(Cassilda sai)

Cena 16/ Vila Prata/ Casa Juscelino/ Sala de estar/ Interno/ Manhã
(Alguém bate na porta. Joca atende)
JOCA: Carlota?
CARLOTA: Oi, Joca. Podemos conversar? É importante.

Cena 17/ Vila Prata/ Praça/ Interno/ Manhã
(Joca e Carlota sentados lado a lado em um banco)
CARLOTA: Eu sei que eu me arrisquei indo a sua casa desse jeito, mas o assunto que tenho a tratar com você é bastante importante.
JOCA: Aconteceu alguma coisa? Isso tem a ver com o fato das suas irmãs terem descoberto o nosso relacionamento?
CARLOTA: Sim, Joca. Tem.
JOCA: Conte logo, Carlota. Você está me deixando nervoso.
CARLOTA: Joca, eu acho melhor a gente dar um tempo no nosso namoro.
JOCA: O quê? Deixa eu ver se eu entendi. Você está terminando comigo, é isso, Carlota?
(Joca encara Carlota. Close em Carlota)

FIM DO CAPÍTULO (Toca I Wanna Be Yours – Arctic Monkeys)

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